Sobre meninos e demônios...

Eu tinha 9 anos. Havia acabado de me mudar de Maceió para São Paulo para acompanhar meu pai, que estava fazendo doutorado na PUC e ficaria longos 4 anos – tempo demais para uma família ficar afastada.
A terra me causou muitas estranhezas, era tudo muito grande, perigoso e opressor pra um garotinho que vivia livre, leve e solto na pequena, fresca, provinciana e (então) segura Maceió. Mas nada que não se esperasse adaptação no tempo apropriado.
Dois dias depois da chegada, meu primeiro dia de aula no Colégio São Domingos. Cheguei no meio do segundo bimestre, literalmente “de para-quedas”. Mas despertei curiosidade geral no colégio – uma menina que estava sentada na carteira em que fui posto pela “tia” imediatamente me cutucou apenas para pedir “FALA”. Logo viriam aqueles que queria “corrigir a fala esquisita”...
No Edifício Ana Capri, não foi muito diferente, mas foi mais fácil me enturmar. Por ser mais velho que a maioria dos garotos e mais centrado (além de relativamente bem-educado – mainha é osso duro de roer, gente!), virei logo queridinho das mães e acabei sendo visto meio que como irmão mais velho da molecada. Mas não raro, a estranheza reinava na relação. Como explicar um nordestino que não é filho de porteiro ou de zelador? Com pais que aparentemente não trabalhavam (tanto painho como mainha estavam estudando em Sampa, e só!), e ainda por cima ALAGOANO? Era 1993, o Brasil mal havia colocado Fernando Collor para fora da presidência. Embora em níveis relativamente leves, o preconceito era patente e ficava exposto em qualquer oportunidade.
Em casa, ao perceberem que algo andava errado, meus pais trataram de “resolver o problema”... castrando os filhos para evitar confrontos. O resultado foi que o garoto tímido, mas de personalidade vibrante se tornou apenas um garoto retraído e sem ânimo em questão de um ano e meio.
Meu pai conseguiu pagar muitas matérias em dois anos e acabou ficando livre pra voltar a Maceió, retornando a Sampa em determinados períodos. Então, nossa estadia de quatro anos foi encurtada. A volta parecia até um sonho... parecia...
Retornar ao Colégio Santíssimo Sacramento não foi nenhum mar de rosas. Acabei numa turma que não era a turma onde cresci. E logo me vi isolado por todos. Meu sotaque alagoano se perdeu na temporada paulistana, e isso não caiu bem. Ficou óbvio que eu tinha – tenho, ainda – vocabulário melhor que toda a turma, pelo simples fato de eu ler muito, e isso também não caiu bem. Meu boletim no primeiro bimestre veio com cinco notas 10 pra oito matérias, e foi aí que a casa caiu pra mim. Ser tímido ajudou bem menos, acabei levando a pecha de “metido”. Era gordinho, o que nem chamava tanto a atenção, porque havia pessoas maiores que eu e eu emagreci bastante com os anos – ainda assim, vez por outra, alguma alma mais atenta reparava para os pneus sobressalentes (neste ponto, era muito pior em casa!)... Mas o pior foi eu cometer o crime dos crimes: não gostar de futebol. Virei imediatamente o “viado” da sala.
De 1995 a 2001, vivi o inferno na terra. Era acossado em todos os momentos e instantes, era alvo de piadas de todos os tipos, vivia de alvo de lascas de giz, bolas de papel e unhas roídas... tempos maravilhosos, enfim.
Em casa, eu era simplesmente podado e repreendido até não poder mais. E curiosamente, cobrado pra voltar a ser o menino alegre e cheio de vida (que eles mataram com tantas podas). Até hoje, me lembro de uma frase linda que meu velho soltou pra mim: “se o mundo inteiro diz que você está errado, então, provavelmente estão certos.” A partir desta pérola, vi que estava, literalmente, sozinho nesta. Todo final de semestre de 1995 a 1997, eu praticamente implorei pra ser transferido de colégio, sem sucesso – o que acabou resultando em uma literal desistência de tudo. Quando o Colégio Pontual abriu, eu vi uma nova chance para mim de começar de novo... chance novamente negada. O colégio abriu em 2001, justamente no último ano do colégio, o que serviu de desculpa para a negação dos genitores – “já que está terminando, vai terminar onde começou!”.
Até bem pouco tempo atrás, quem me perguntava qual foi o dia mais feliz da minha vida, eu respondi sem titubear: o dia em que eu pisei fora da Mansão Farias em dezembro de 2001 – e deixei para trás a pocaria de festa de formatura (tava muito ruim, mesmo!) e uma merda de vida escolar.
Entrei pra faculdade e me concentrei em me reinventar. Não consegui voltar a ser o mesmo garoto que chegou extremamente ingênuo e cheio de vida em Sampa, mas ao menos, consegui chegar a ser algo próximo de “normal”. Ainda sou extremamente tímido, é difícil conversar comigo de cara, pois eu provavelmente me fecharei. Mas eu consigo me abrir com o tempo e a confiança advinda dele. Mas pra que negar? No fundo, ainda ficou uma paranoia... se vejo um grupo rindo perto de mim, logo imagino que eu que sou o assunto da conversa; quando encontro com alguém daquele passado infeliz, me transformo imediatamente num ser desconhecido e raivoso, frequentemente assustando quem estiver comigo; tenho muitos pesadelos com o colégio, muitos MESMO – mas vivo aparecendo por lá pra me testar, pra me desafiar e me provar capaz de enfrentar meus fantasmas de frente.
Por que estou falando sobre isso? Bem, primeiro porque nunca falei sobre bullying com ninguém – nem com minha sombra. São muitos anos carregando este tipo de coisa sozinho. E o caso da escola no Rio de Janeiro reacendeu tudo em mim novamente. Não vou mentir, eu ME IDENTIFIQUEI com o assassino. Aliás, me identifiquei também com os garotos de Columbine. Oras, quantas vezes eu não tive vontade de entrar no Sacramento com uma metralhadora e matar todos aqueles que me atormentaram e fizeram da minha vida um inferno? Mas a questão é que meu lado pacifista sempre foi mais forte, portanto, não creio que faria este tipo de loucura alguma vez na vida. Mas não há mentira – eu estive lá, eu senti isso. Também quis muito ser Carrie White.
Outro caso que tocou fundo em mim foi o do australiano Casey Heynes (conhecido como “Zangief Kid”). O garoto fez o que muitos sonham em fazer e nunca o fizeram – e ganhou o apoio de todo o mundo! Se o tormento dele parou, só o tempo dirá, mas é certo que o pivete do vídeo vai pensar MUITO antes de mexer com ele de novo. Eu reagi, algumas vezes e, infelizmente, embora sempre tenha levado a melhor fisicamente (as vantagens de ser gordinho estão em ser mais forte...), o pesadelo simplesmente NÃO PASSOU. Abrandava por um tempo, mas voltava ao mesmo ponto em questão de dias, sem ninguém para me ajudar ou acudir. Rezo para que o caso de Casey seja diferente.
Este ano, completo uma década de formatura no colégio. Jamais lembraria se não fosse a enxurrada de falsos da minha extinta turma atrás de mim para marcar uma festa... festa PARA QUÊ? Não quero olhar a cara de quase nenhum deles novamente na minha vida, como é que descobrem meu orkut, msn e o número do meu celular?
“E quanto a Sampa, você dará uma nova chance?” – não digo “nunca”, mas não vejo a resposta como sendo outra que “NÃO” em muito tempo. São Paulo é uma cidade linda, cheia de atrações etc., etc. e tal... mas para TURISMO. Apesar de tudo o que ocorreu por lá, fiz grandes amizades, também, e quero muito rever todos sempre, o que é uma garantia de que voltarei a Sampa para alguns dias e que espero visitas em Maceió ou onde eu estiver (não ficarei aqui pra sempre, gente!). Mas morar? Não pretendo voltar a morar ali sob qualquer hipótese.
“E quanto à 'turma E' do Colégio Sacramento?” Com raríssimas exceções, quero francamente que o resto MORRA. Ainda dançarei alguma coreografia do É O Tchan! em seus túmulos como vingança pessoal e intransferível. Se morrer logo não for possível, que ao menos esqueçam da minha existência e sumam. Foi muito difícil conseguir fechar as feridas que me deixaram, agora preciso curá-las. Com certeza, não será com essa reca aparecendo na minha frente.

Comentários

  1. Forte e contundente o seu depoimento! O q conta nisto tudo é q vc conseguiu dar o seu grito de independência e se reinventar ... parabéns querido ... tb tenho os meus ódios guardados e administrados ... mas q eles existem existem ...

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  2. Minininhu, vem pra cá que eu enturmo vc e perderá toda essa impressão ruim de Sampa. BJs meu lindo. Elza

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  3. Leio..releio...

    Cara...PERFEITO! Nunca vi tanta coisa pertinente sobre o Bullying - e não se engane: estou sofrendo demais com isso aqui em SP.

    Solidarizo-me com tudo o que sofreu, dearest...

    Bear abraço!

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  4. Tom,
    Graças a Deus, não fui da sua turma do Sacra, por isso espero não fazer parte da lista dos que terão direito a "vê-lo" dançar o É O TCHAN no túmulo!
    Brincadeiras à parte, também sofri esse negócio aí, esse tal de bullying, mas não foi só na sala de aula, foi na escola toda. Meus apelidos carinhosos eram "baleia", "rolha de poço", "orca". Só que eu nunca fui de levar desaforo para casa. Eu batia nas pessoas que me xingavam! Por conta disso, quase toda semana a minha mãe era chamada na diretoria da escola. De tanto eles me xingarem e eu bater neles, durante os anos seguintes, acabei conquistando o respeito deles. Foi só com o tempo que isso acabou. Mas que é uma dor terrível, lá isso é. Só quem passa por isso é quem sabe! A gente nunca esquece!
    Um abraço,
    Xelito

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sabe qual é o lado "bom" que o Bullying tem? O lado do auto-controle, e mais ainda, o lado bom de quão ridículas são as caras das pessoas que nos zoaram,ao nos ver no topo, no sucesso, rodeado de amigos. Exemplos maravilhosos disso que falo estão por aí espalhados no mundo, grandes cientistas, escritores. Te digo com toda a sinceridade, mais vale ser uma gorda, tímida e inteligente, com conteúdo, do que uma "gostosa" acéfala, que só serve pra abrir as pernas, achando que é desejada, e não vê que é apenas usada por mais um carinha na night (me desculpem as pessoas lindas e inteligentes,mas voces sabem a qual tipo de "gostosa" me refiro). Porque meu amor, um dia a "gostosa" envelhece e a lei da gravidade é cruel. Quem sobrevive no final: a inteligencia ou o corpo caído?. Você é mais, e me orgulho muito do homem que se tornou, inteligente, sincero, bonito (por dentro e por fora) e acima de tudo, amigo!!! Qualidade essa que posso contar nos dedos entre os que se dizem "descolados e na moda". Beijinho

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  7. Oi Tom, tudo bem?
    Menino, sumimos heim? rsrs
    Eu imagino bem como é isso, apesar de nunca ter passado por isso assim dessa forma,apesar de eu ter sido gordinho, tímido, cdf, rsrsrs. Mas logo depois dessa fase de colégio, ou já estava com princípio e eu nem percebi, tive anorexia. Foi tenso, rsrs. O bullyng que sofri, foi mais de uma forma camuflada e sempre por pessoas próximas, muitas faziam sem intenção. Eu sempre era o gordinho, fofinho, "bonitinho" e isso tudo acho q acabou fazendo com que eu tivesse anorexia. Mas fase superada, rsrs. E sobre sotaque sei como é, imagina eu baiano, que falo cantando, em São Paulo, rsrs.
    Abração menino

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  8. nossa, q forte! eu tb sofri mto na escola, mas nada comparado com o que vc sentiu. =/ o que dizer numa hora dessas hein? o q?

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  9. Cara profundo isso ein, graças a Deus eu não tive isto, alias no meu tempo zuada se respondia com zuada e ninguém morreu por isso, mas esperoq eu realmente tenhas superado, abrass

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  10. Eu também sofri bullying durante quase toda minha vida escolar. Cheguei até a pensar em vingança. Mas, graças a Deus desisti. Hoje, sou um combatente contra essa prática, como professor e como blogueiro.

    Abraços.

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  11. Oi Tom!
    Obrigada pela torcida e pela visita!
    Bacana teu cantinho de uma mente pertubada...quem não possui uma?rs..rs..rs..
    Ainda essa semana eu aviso com detalhes o que conquistei!
    Mas só depois de ter o resultado nas mãos!
    Curioso?
    Então acompanha...
    Um beijo e boa semana pra ti
    Afrodite

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  12. Putz Tom !! Que hard !!

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  13. ola meu querido,espero que hoje vc esteja bem,a vida as vezes nos deixam marcas profundas,vc tem que superar e bola pra frente,esqueca o que te fez sofre e tenta ser feliz sem essas sobras do passado ,vc e forte e tem muitos outros amigos .um agrande abraco de sua amiga de blog e do norte goreth tercas

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  14. Olha Tom, vc já deve ter lido no meu blog relatos q já sofri bullying tb, e quem já não sofreu não é verdade???
    Graças a Deus, no 1º grau foi onde sofri mais bullying, mas de pessoas de outras turmas e não da minha, então estudar era tranquilo, eu sofria mais na hora do intervalo e na saída com ameaças do valentões q das outras séries q queriam me bater sem eu ter feito absolutamente nada... E sorte q tinha amigos mais fortes q eles q os ameaçava, tocassem em mim q apanhariam, fiquei com fama de covarde, fracote, viadinho, mas dane-se, continuo com todos os dentes na boca!!! huahuahuahua
    No 2º grau foi rtranquilo, costumo até dizer q foram os melhores 3 anos da minha vida!!!
    Já a faculdade não sofri com bullying, mas nunca convivi com tanta gente falsa e competitiva num lugar só e se rolar festinha de 10 anos depois, podem esquecer da minha presença, quem eu gosto ainda tenho contato e vejo a hora q quiser!!!
    E tb já me coloquei no lugar desses assassinos vítimas de bullying e só não faria o mesmo pq não é matando inocentes, crianças q entraram na escola anos depois de mim q irei fazer justiça, minha maior vingança é vencer na vida e esfregar um dia isso na cara desses losers!!!
    Abração!!!

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